AFETIVIDADE E DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MARCAS DE UMA ALUNA INESQUECÍVEL

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 AFETIVIDADE E DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR: MARCAS DE UMA ALUNA INESQUECÍVEL

Inicialmente, eu gostaria de indicar que o ponto de partida para construção desse texto, sem qualquer preocupação científica-metodológica, são alguns dos pressupostos descritos pelo Prof. Sérgio Antônio da Silva Leite e o Grupo do Afeto da UNICAMP. Este grupo, desde meados dos anos dos anos 90, dedica-se à temática da “Afetividade e práticas pedagógicas” com diversas publicações sobre o assunto. Peço permissão (sem tempo de ouvir a resposta) para realizar uma narrativa para relacionar aspectos da minha vivência como professora no ensino superior da USP-RP, com alguns dos pressupostos teóricos descritos pelo Prof. Leite. Faço isso com a motivação de externalizar a relevância deste momento.

Começo afirmando que Regiane Cosmo Monteverde, filha de pedreiro, pôde sim ingressar na USP, pôde ir além, pôde deixar marcas profundas na vida das pessoas que a conheceram e pôde fazer uma docente orgulhar-se das suas escolhas profissionais. Infelizmente, a vida não foi generosa na continuidade de outras descrições de superação e no momento da despedida, o afeto permitiu apenas que eu a abraçasse e dissesse um simples “sinto muito”. Felizmente, o tempo foi generoso comigo me dando a chance de ampliar o sentido da expressão “sinto muito” dita de forma vaga naquele momento tão triste.

Regiane, eu sinto muito por não ter dito que foi de você que recebi, pela primeira vez, um “eu te amo professora”. Confesso que minha primeira reação foi de estranhamento, “nossa será que fiz algo de errado”...  Agora a sensação é de alívio, pois tenho clareza que foram as práticas escolhidas por mim que permitiram e criaram condições para a construção desse afeto.  O modelo teórico sobre afetividade, que articula a mediação pedagógica com os impactos afetivos produzidos na relação que se estabelece entre o sujeito/aluno, professor/aluno e o objeto/conteúdo mostra-se coerente na minha realidade como professora. 

Eu sinto muito por não ter dito que você me mostrou na prática como a concepção dualista sobre o homem, predominante entre os ditos “cientistas” que enfatizam a divisão razão/emoção (com a supremacia da razão nos processos de construção do conhecimento) é algo infrutífero. Você permitiu que eu vivenciasse a não dicotomia entre razão/emoção, já que somos um ser único no qual razão e emoção colocam-se como os dois lados de uma mesma moeda; o homem é um ser que pensa e sente simultaneamente. Neste sentido, toda relação sujeito objeto é, também, afetiva, produzindo impactos positivos ou negativos, quer nós queiramos ou não.

Sinto muito por não ter dito que você contribuiu para a construção de meu compromisso docente com o aprendizado do aluno. O seu êxito representava meu êxito como docente, o seu fracasso representava meu fracasso, essa constatação ficava explícita em cada atividade planejada e realizada em sala de aula, na definição de objetivos e escolhas dos conteúdos de ensino, da pertinência de sempre começar a partir do conhecimento do aluno, de organizar os conteúdos em uma sequência lógica, respeitando a organização epistemológica da área. Você me ajudou a entender que tais práticas aumentavam as possibilidades do seu sucesso e me motivava a procurar novas estratégias que pudessem manter um clima afetivo favorável. Foi nesse clima favorável que a relação de parceria horizontal mostra-se possível; todos nós ensinamos e aprendemos ao mesmo tempo.

Sinto muito por não ter dito que você me mostrou a importância do fornecimento de instruções adequadas, feedbacks contínuos, o quanto é fundamental valorizar e incentivar a produção dos alunos, buscando formas coerentes de avaliar e de utilizar os dados da avaliação para rever continuamente as dificuldades apresentadas.

Sinto muito por não ter dito que você, ao me desafiar, mostrou-me a importância do amplo domínio do conhecimento sobre o objeto de ensino, pois era necessário o cultivo de aprendizagens constantes, para que a paixão pelo conteúdo de minha área de estudo fosse fortalecida em cada sábado de aula. Isso me fez ser exigente com vocês, mas também garantiu as condições para um profícuo processo de ensino-aprendizagem.

Sinto muito por não ter dito que seu posicionamento crítico, comprometido e de valorização singular de nossa Universidade, mostrou-me o sentido de práticas que possibilitem a reflexão, a discussão e o acolhimento.

Sinto muito por não ter dito que nossa convivência, levou-me a reconhecer que fiz a escolha profissional certa, mesmo diante de um caminho imprevisível e impensável, como este que se coloca agora entre nós, a finitude de uma vida, mesmo quando tínhamos planos infinitos, mestrado, doutorado, outros planos que objetivavam a transformação social por meio da educação científica, tenha certeza que os planos continuam, o nosso desejo de mudar o mundo segue em frente!

Por fim, sinto muito por não ter dito que você se formou na USP, formou-se como profissional docente capaz de ensinar ciências em qualquer contexto, formou-se como pessoa, capaz de lutar com uma coragem indescritível para realização de um sonho.

Quero deixar aqui registrado à você e à sua inspiradora família: você tem sim o diploma da USP! Hoje, como Coordenadora do Polo EaD de Ribeirão Preto, conhecendo nosso curso e sua matriz curricular, eu tenho plena convicção de que você adquiriu os conhecimentos da área e as competências profissionais necessárias à obtenção do grau de Licenciada em Ciências pela Universidade de São de Paulo, no ano de 2018. Você já está eternizada na história deste curso e em minha vida.

Obrigada Regiane por ser uma aluna inesquecível!

Sua eterna parceira Fabiana Maris Versuti- 15/06/2018.


Evento enviado por Renê Achcar
Fonte: Fabiana Maris Versuti-